Para a compreensão da tão falada Ansiedade é preciso antes dizer que a ansiedade é um mecanismo de defesa natural de antecipação frente à situações que podem gerar dano.
Os homens da caverna já tinham mecanismos antecipatórios para batalhas em épocas de caça e sabemos disso pelos desenhos nas cavernas - a antecipação do perigo provavelmente simbolizaria um preparo maior diante desse.
Quando somos colocados frente à uma ameaça, é natural que nosso cérebro entre em um estado de fuga ou luta- iremos tentar fugir ou lutar para preservarmos nossas vidas. É algo comum e, portanto, adaptativo.
A ansiedade passa a ser mal adaptativa e patológica quando o medo, hesitação, insegurança e antecipação ocorrem excessivamente, prejudicando a rotina e funcionalidade do indivíduo. Comumente, percebe-se que o excesso de pensamentos antecipatórios (sobre o futuro) ou ruminatórios (sobre o passado), causam no indivíduo sintomas de exaustão e falta de concentração no presente. Portanto, alguns sintomas ansiosos podem estar sobrepostos a sintomas depressivos- insônia, queda do desempenho intelectual e concentração, além de fadiga. Os sintomas ansiosos podem coexistir com outras patologias psiquiátricas como depressão, transtorno bipolar e TDAH.
O que acontece no nosso cérebro:
A amigdala, um centro cerebral com formato de amêndoa localizado próximo ao nosso hipocampo, faz conexões neuronais muito importantes que propiciam a integração de informações sensoriais (que você sente) e cognitivas (como você interpreta o que sente), determinando, portanto, se haverá uma resposta de medo, luta/fuga, hesitação ou insegurança - uma resposta ansiosa. Nosso córtex pré frontal controla a modulação de emoções (sobretudo as partes orbitofrontal e cingulado anterior) e pode regular o medo através de conexões neuronais recíprocas (vias de mão dupla) entre ele e a amígdala.
Além disso, a resposta de medo emitida pelos neurônios da amígdala ligados a outras áreas do cérebro (substância cinzenta periaquedutal do tronco encefálico) pode causar reações motoras frente ao medo - luta, fuga ou paralisação motoras. Isso ocorre quando, por exemplo, frente a uma situação que te deixa ansioso você fica paralisado e sem reação, ou sem pensar duas vezes corre de um assaltante.
A amígdala se liga também a uma região chamada de núcleo parabraqueal, e essa conexão pode gerar aumento da frequência respiratória, exacerbação da asma, sintomas de paralisação e sensação subjetiva de sufocamento/falta de ar. É por isso que indivíduos ansiosos com COVID tinham uma sensação pior frente à falta de ar que o próprio vírus causava, piorando o prognóstico desse.
O sistema nervoso autônomo, por fim, decreta respostas do sistema cardiovascular, aumento da frequência cardíaca, sensação de palpitação e aumento da pressão arterial. Essa resposta se dá por conexões entre a amígdala e o locus coeruleus - onde existem muitos neurônios noradrenérgicos que, ao liberarem noradrenalina promovem a cadeia de reação que eu descrevi acima. Quando esse eixo fica hiperativo cronicamente, ou seja, por muito tempo, pode ocorrer aumento dos índices de aterosclerose (quando a gordura se deposita nos vasos sanguíneos), infarto do miocárdio, hipertensão ou até morte súbita. Além disso, a super liberação noradrenérgica nesses casos pode gerar também pesadelos, excitação, flashbacks e crises de pânico.
Considerando que nosso hipocampo - que armazena nossa memória- pode conter memórias traumáticas, ele emite sinais dessas memórias para amígdala, o que pode desencadear essas respostas cronicamente.
O que acontece nas nossas glândulas:
Nosso hipotálamo estimula nossa hipófise a liberar alguns hormônios e, no final desse ciclo, nossas glândulas suprarrenais liberam cortisol. Esse cortisol do eixo de resposta aguda ao estresse convoca células inflamatórias para nos proteger no caso de ataque.
Caso você esteja de fato diante de uma ameaça, essa proteção é positiva. Mas como já mencionei acima, caso essa resposta ao medo seja crônica e prolongada, a resposta endócrina pode aumentar as taxas de doença coronariana, Diabetes tipo 2, acidente vascular encefálico e atrofia de hipocampo (propiciando perda de memória, concentração e quadros demenciais a longo prazo).
Neurotransmissores envolvidos:
GABA, serotonina e noradrenalina, dopamina, glutamato.
Dados:
Quase 30% da população desenvolverá algum transtorno de ansiedade devido, em grande parte, a ambientes estressores e eventos traumáticos durante atividades cotidianas (o cérebro passa a ligar essa atividade ao medo, um medo aprendido).
O Brasil é o país mais ansioso do mundo, sem contar as taxas de subdiagnóstico.
A herdabilidade chega a 40%.
Transtorno de ansiedade generalizada (TAG):
Critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição, Texto Revisado (DSM-5-TR)
Para atender aos critérios do DSM-5-TR para TAG, os pacientes devem ter ansiedade excessiva e se preocupar com várias atividades ou eventos, ocorrendo mais dias do que não por ≥ 6 meses
As preocupações são difíceis de controlar e devem estar associadas a ≥ 3 dos seguintes sintomas:
Agitação ou sensação de nervosismo ou tensão
Cansaço fácil
Dificuldade de concentração
Irritabilidade
Tensão muscular
Alterações do sono
Os sintomas psiquiátricos devem causar sofrimento significativo ou prejudicam muito o funcionamento social ou ocupacional. Além disso, a ansiedade e a preocupação não podem ser explicadas pelo uso de substâncias ou uma doença clínica geral (anemia, hipotireoidismo, hipertireoidismo etc)
Transtorno de pânico:
DSM V- Pacientes têm ataques de pânico recorrentes (a frequência não é especificada) em que ≥ 1 ataque foi seguido de um ou ambos dos seguintes sintomas por ≥ 1 mês:
Preocupação persistente sobre ter ataques de pânico adicionais ou preocupações com suas consequências (p. ex., perda de controle, enlouquecer)
Resposta comportamental mal-adaptativa aos ataques de pânico (p. ex., evitar atividades comuns como exercício físico ou situações sociais para tentar prevenir novos ataques)
Os ataques de pânico costumam durar até 5 minutos durante os quais o indivíduo experencia medo intenso, medo de enlouquecer ou de morrer, sintomas somáticos como sudorese, falta de ar e aumento da frequência cardíaca, dor no peito subjetiva, vontade de sair correndo ou de gritar e grande angústia. Ataque de pânico e Síndrome do pânico são diferentes!
Transtorno de Ansiedade social:
Medo ou ansiedade marcante direcionada a uma ou diversas situações sociais nas quais o indivíduo é exposto a possível observação por outras pessoas. Existem diversas situações possíveis como interação social, desempenhar atividades ou funções na frente dos outros e ser observado, o que normalmente é interpretado pelo paciente como ser analisado. Alguns dos exemplos mais comuns são: se alimentar em público, ser ridicularizado após tentar discursar em público e conversar ou se encontrar com desconhecidos. Importante mencionar que, no caso de crianças, a observação da ocorrência desse critério deve ser feito na relação dela com outras crianças e não com adultos;
O paciente tem medo de agir de alguma maneira ou, por exemplo, demonstrar sintomas de ansiedade que serão julgados por outros. Normalmente, o indivíduo relata medo de ser humilhado, rejeitado, ofendido ou de participar de alguma situação embaraçosa;
Situações que envolvam outras pessoas, quase sempre, geram medo ou ansiedade. Importante mencionar que nas crianças a verbalização de tal sentimento pode ser prejudicada, assim, um dos indicativos pode ser o choro;
As situações sociais são enfrentadas com ansiedade e/ou medo intenso ou são evitadas;
A ansiedade, o medo ou a esquiva gerados devem persistir por, pelo menos, 6 meses e o paciente costuma relatar longos períodos de tempo com tal sentimento;
A ansiedade, o medo ou a esquiva gerados provocam sofrimento que é clinicamente importante. Fatores como comprometimento ocupacional, social ou em outras áreas da vida do paciente também podem estar presentes, reforçando o aspecto incapacitante do transtorno;
A ansiedade, o medo ou a esquiva gerados não são ocasionados por ação fisiológica de substâncias como medicações ou drogas;
A ansiedade, o medo ou a esquiva gerados não são melhor explicados por sinais e sintomas de outros transtornos mentais existentes. Os que mais causam confusão são transtornos do espectro autista, transtorno de pânico e transtorno dismórfico corporal;
Caso outra condição médica estigmatizante esteja presente, a ansiedade, o medo e a esquiva gerados não devem estar relacionados ou estão presentes de forma exagerada. Algumas das condições médicas mais comuns são: obesidade, deformidades, amputações, feridas, cicatrizes, acne e doença de Parkinson.
Transtorno de estresse pós traumático - TEPT:
DSM V- Os pacientes devem ter sido expostos direta ou indiretamente a um evento traumático e devem ter os sintomas de cada uma das seguintes categorias durante ≥ 1 mês (1).
Sintomas de intrusão (≥ 1 dos seguintes):
Ter memórias recorrentes, involuntárias, intrusivas e/ou perturbadoras
Ter sonhos perturbadores recorrentes (p. ex., pesadelos) do evento
Agir ou sentir como se o evento estivesse acontecendo de novo, desde flashbacks até perda total de consciência do ambiente atual
Sentir sofrimento psicológico ou fisiológico intenso ao lembrar o evento (p. ex., aniversários do evento, sons semelhantes àqueles ouvidos durante o evento)
Sintomas de esquiva (≥ 1 dos seguintes):
Evitar pensamentos, sentimentos ou memórias associados ao evento
Evitar atividades, locais, conversas ou pessoas que desencadeiam memórias do evento
Efeitos negativos sobre a cognição e o humor (≥ 2 dos seguintes):
Perda de memória para partes significativas do evento (amnésia dissociativa)
Convicções ou expectativas negativas persistentes e exageradas sobre si mesmo, outros ou o mundo
Pensamentos distorcidos persistentes sobre a causa ou consequências do trauma que levam a culpar a si mesmo ou outros
Estado emocional negativo persistente (p. ex., medo, horror, raiva, culpa, vergonha)
Diminuição acentuada do interesse ou participação em atividades significativas
Sensação de distanciamento ou estranhamento em relação a outras pessoas
Incapacidade persistente de experimentar emoções positivas (p. ex., felicidade, satisfação, sentimentos amorosos)
Reatividade e excitação alteradas (≥ 2 dos seguintes):
Dificuldade para dormir
Irritabilidade ou explosões exacerbadas
Comportamento imprudente ou autodestrutivo
Problemas de concentração
Maior resposta de sobressalto
Hipervigilância
Além disso, as manifestações devem causar sofrimento significativo ou prejudicar significativamente o funcionamento social ou ocupacional e não serem atribuíveis aos efeitos fisiológicos de uma substância ou de outra doença médica.
Tratamento:
Procure um médico psiquiatra para determinar seu diagnóstico e estabelecer se há necessidade de um tratamento medicamentoso e, caso haja, qual o melhor fármaco.
Além disso, a psicoterapia de maior evidência para Transtornos de ansiedade é a Terapia Cognitivo Comportamental.
Quando associados, ambos tratamentos propiciam melhor qualidade de vida e remissão dos sintomas.
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